

Foto: Luís Chamizo // @lentechamizo
A ARTE DEMOCRÁTCA
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença."
- Artigo 5º da Constituição Brasileira
Diante do cenário de opressão e aumento das desigualdades sociais, deixados pela Segunda Guerra Mundial (1940-1945), e aqui no Brasil, pela Ditadura Militar (1964-1985), com reflexos ainda na atualidade, a sociedade se manifesta pedindo afetividade e justiça social.
Um conjunto de movimentos artísticos começou a acontecer e coincidir: a arte contemporânea. O anseio pela retomada da consciência e reflexão em vez da pura contemplação de um objeto artístico, de estética eurocentrista. Da vontade popular de se expressar, antes, censurada.
O avanço da tecnologia da informação e comunicação possibilitaram uma maior diversidade de ferramentas e técnicas artísticas. Surgindo movimentos, escolas e estilos, como os principais: Pop Art, Arte Conceitual, Arte Digital, Fotografia, Instalação, Arte Urbana, Body Art, Arte Povera, Arte de Novas Mídias, Hiperrealismo, Fotorrealismo, Op Art e Arte Cinética. Formando, assim, a arte contemporânea.
O grafite, arte urbana, tem início junto ao movimento do Hip Hop - com seus quatro elementos: o rap (ritmo e poesia), os grafites (assinaturas), os Dj's e Mc's e o Street Dance - com o objetivo de celebrar o pouco que foi possível manter da cultura negra nos EUA e denunciar um Estado opressor, do qual perpetua as desigualdades sociais, para que uma pequena parcela da população mundial detenha bens e riquezas, que eles mesmos não produziram.

Foto: Luís Chamizo // @lentechamizo
DO SENTIMENTO AO SPRAY
Antes da tinta na parede, tem o ser que sente o peso da realidade e projeta seus anseios sobre o futuro.
Brincando com palavras, formas e cores para chamar a atenção dos que transitam por ali, os artistas de rua tratam de diversos assuntos, principalmente: críticas sociais, políticas e econômicas.
O apagamento da pintura por causa de uma lógica conservadora dos lugares coletivos, mascara o preconceito e marginalização do grafite - dependendo do local onde é produzida e do indivíduo que realiza, sendo mais reprimido entre a população negra.
Remonta períodos da Grécia e Roma antiga, onde os artistas de rua escreviam nas paredes seus protestos contra as injustiças sociais. A arte urbana aprimorou esse tipo de arte politizada.
Se apropriando dos grandes centros urbanos, onde há intensa circulação de pessoas e diversidade cultural, os grafiteiros utilizam tintas spray (e hoje em dia tem marcas específicas para esse tipo de trabalho), colorindo o que antes era cinza. Dando vida ao que passava despercebido.
Um alívio ao olhar.
Considerada uma arte efêmera, por serem suscetíveis às mudanças no lugar em que estão, as pessoas que passam por elas aproveitam para tirar fotos ou gravar vídeos, com a intenção de eternizá-las.
Os grafites acabam se tornando atrativos para os cidadãos e turistas que gostam de experimentar e conhecer a cultura local urbana.
“Temos um fluxo de turistas muito grande e, por meio do grafite, é possível contar histórias. As pessoas estão buscando cada vez mais esse tipo de experiência, que é uma tendência no mundo inteiro.”
- Vanessa Mendonça, Secretária de Turismo

Foto: Luís Chamizo // @lentechamizo
O GRAFITE É A ARTE DO VIVER
Como o samba, desce do morro para os centros urbanos burgueses, para protestar através da arte, assim é com a arte urbana.
A arte saindo dos locais, ditos consagrados, para as ruas.
Os cidadãos não precisam ir a centros culturais para contemplar a arte. Até por serem distantes, tanto em quilômetros quanto em sua linguagem, da realidade brasileira. A arte urbana, ressignifica o significado de museu.
Museu a céu aberto. Livre.
Delimitar um espaço específico para grafitar, um grafitódromo (como se ouve muito em SP) deixa de ser grafite. Não é arte contemporânea urbana. Impor um limite a liberdade de expressão e a crítica, que está na base do seu conceito.
Uma pessoa se sensibilizar politicamente e se inspirar criativamente, ao contemplar um grafite, possibilita algumas coisas:

Empoderamento social de artistas da favela. Impedidos de acessarem instituições de ensino e expor seu trabalho em espaços culturais, subalternizados pela sua origem e cor;

Denuncia, fortalece e informa sobre desigualdades e opressões sociais, sensibilizando a comunidade para apoiar causas e movimentos sociais;

Encontro da vida com a arte, na medida que o indivíduo vive e se desloca na cidade;

Se torna uma forma de mensurar se há democracia. Quem pode se expressar livremente? Ou melhor, o que pode ser expressado livremente?
“Incentivando o grafite, o Estado faz uma reparação histórica de reconhecimento aos artistas anônimos – que, na grande maioria das vezes, são invisibilizados por instituições artísticas tradicionais como museus, galerias e amostras.”
- Grafiteiro Paulo Sérgio Saraiva, o Corujito, membro do Comitê Permanente do Grafite do DF.

Foto: Luís Chamizo // @luischamizo
O GRAFITE COMO ABRIGO DA FEIRA NO SCS
“São princípios da Política de Valorização do Grafite:
III - o fortalecimento, a proteção, o fomento e a promoção das identidades, da diversidade cultural brasileira, da territorialidade e do pluralismo cultural;
IV - o reconhecimento do protagonismo da sociedade civil nas manifestações da cultura popular e a relevância do fomento às suas iniciativas;
V - a cultura como vetor de desenvolvimento social e econômico;
VI - a priorização do fomento para povos, grupos, comunidades e populações em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios de produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior reconhecimento de seus direitos ou cuja identidade cultural esteja ameaçada.”
- Art. 3º Decreto Nº 39.174, de 03 de julho de 2018
Assinado pelo então governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), através do decreto Nº 39.174, de 03 de julho de 2018, institui a Política de Valorização do Grafite, que visa o fortalecimento, valorização e fomento do Grafite no Distrito Federal e Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - RIDE.
Há por todo o SCS diversos estilos da arte urbana, que são muitos interessantes de conhecer (já agende um passeio com o SCSTour!!!) para refletir e se emocionar. No entanto, há dois momentos muito interessantes de relatar.
A Secretaria de Cultura e Economia Criativa deu um importante passo para a ressignificação do Buraco do Rato e da Galeria dos Estados, ambos localizados no SCS, em parceria com o Instituto No Setor, e apoio por emendas do deputado distrital Fábio Felix (PSOL) e Leandro Grass (REDE), respectivamente.
Através dos Encontros de Grafitti, transformou o Setor Comercial Sul na primeira rota de turismo criativo do DF.
O Buraco do Rato, marginalizado por ter sido um local de venda e uso de drogas psicoativas, na terceira edição do Encontro, recebeu grafites sobre a realidade da comunidade LGBTQI+, como forma de marcar a luta contra o preconceito e violência, que sofrem diariamente.
A Galeria dos Estados, após revitalização, transformou-se numa extensa galeria de arte, que agora possui 100 obras de artistas urbanos, onde 30 são de artistas mulheres e, como berço do Hip Hop brasiliense, Ceilândia foi a região administrativa com maior número de artistas escolhidos.
Realizado, também, pelo No Setor e a Secretaria de Cultura, a Feira - que começou no domingo (17/10) e ocorrerá semanalmente até 5 de dezembro, reúne 40 pequenos produtores e empreendedores do DF, na Galeria dos Estados.
Aqui o grafite cumpriu sua missão, enquanto arte contemporânea urbana, a celebração máxima do uso democrático do espaço: um evento permeado de afetividade, com arte, gastronomia, bem-estar e música popular.
Protegidos pelos belos murais, que celebram a vida, questiona o cotidiano urbano e projeta um futuro de igualdade social e os oprimidos ocupando lugares altos.
Tão altos quanto as paredes que ilustram.
